Relembrando um bate-papo com o professor Joel Dutra sobre as mudanças na área de RH nos últimos 20 anos.
A área de RH é uma das mais afetadas pelas mudanças que estão ocorrendo no ambiente empresarial. E isso não se refere à crise instalada e ampliada pela pandemia da covid-19. O profissional de recursos humanos tem enfrentado muitas transformações ao longo das duas últimas décadas. O avanço da tecnologia e a entrada de gerações mais novas no mercado de trabalho, por exemplo, são alguns dos motivadores de tanta mudança para o RH, como avaliou Joel Dutra, professor livre docente na Universidade de São Paulo (USP) em uma rápida entrevista que fiz com ele em maio do ano passado.
Apesar desse intervalo de tempo, a conversa ainda se mantém atual. Até porque alguns temas, que ainda causam “dores de cabeça” no RH, ainda fazem parte da agenda desse profissional – e são esses desafios, aliados aos que tomaram uma proporção maior com a pandemia, que reforçam a importância da área de RH em uma empresa.
A maior parte das empresas adotou uma postura reativa para lidar com os conflitos geracionais.
Os efeitos da tecnologia
Dutra comentou que na primeira década dos anos 2000, a tecnologia gerou a possibilidade de intensificar o trabalho a distância. Iniciativas dessa natureza eram tímidas na década de 1990 e passaram a ganhar força na primeira década dos anos 2000. Foram muitas as matérias nas quais era possível ouvir de especialistas as vantagens e potencial do home office – e da educação a distância. E parece que esse cenário, de fato, se concretizou, graças a um vírus…
“Outro efeito da tecnologia foi o crescimento dos serviços compartilhados, gerando reorganização do trabalho. E uma lógica diferente em termos de estruturação emerge, naquele momento: a intensificação do papel do business partner e as áreas especializadas centralizadas”, disse Dutra. Na segunda década, chegando aos dias de hoje, as organizações passam a absorver a Inteligência Artificial por meio dos computadores cognitivos, criando possibilidades de potencialização do emprego inteligente. “Assim, temos as organizações matriciais e cresce a importância da colaboração”, destacou o professor.
As novas gerações no mercado
Outro ponto destacado pelo professor foi o mercado de trabalho. Como ele explicou, o mercado era muito ofertante entre os anos 1978 e 2005. Já a partir de 2006 passou a ser demandante. Isso acabou gerando uma atenção maior para questões ligadas à atração e retenção de pessoas, por exemplo, aspectos para os quais as empresas brasileiras estavam despreparadas.
No que se refere às gerações de trabalhadores, outro item apontado por Joel Dutra como causa e impacto das mudanças por que passavam as empresas e o RH, ele fez questão de ressaltar que as marcas geracionais no Brasil eram, e são, diferentes das da Europa e da dos EUA. Por exemplo, a geração X, aqui, se estende até 1985, surgindo uma nova em 1986. “Essa nova geração, com formação superior, entra no mercado em 2009 e 2010, promovendo um grande choque geracional em nossas organizações. A maior parte das empresas adotou uma postura reativa para lidar com esses conflitos”, disse.
Para o professor Joel Dutra, caberá aos profissionais de recursos humanos buscar uma maior flexibilidade na relação entre as empresas e as pessoas
Os desafios da atração e retenção de talentos
Dessas mudanças, qual a que mais contribuiu para fazer com que a área de RH ganhasse maior importância ou fosse percebido com mais atenção nas empresas? Para Joel Dutra, a resposta está na atração e retenção de talentos. “As dificuldades em atrair e reter pessoas de 2008 a 2014 ofereceram à área de gestão de pessoas a oportunidade de ganhar destaque e, agora, o RH tem uma atuação destacada no suporte às organizações na preparação das pessoas e da cultura para absorver a Inteligência Artificial”, disse, lembrando que, desde a década de 1970, ele tem participado de discussões sobre o papel estratégico da área. “Até os anos 1990 tivemos pouca evolução nessa direção. Desde os anos 2000 observamos um crescimento no papel dos profissionais de RH na discussão estratégica do negócio.”
Nessa mudança de postura e importância do papel, o profissional de RH passou a ser demandado por algumas competências em especial. Nesse sentido, Dutra destacou as que estão associadas a uma visão sistêmica e estratégica de sua atuação, além de uma articulação política para viabilizar adequações da cultura organização às exigências do contexto e formas de conciliar as expectativas e necessidades das pessoas com as da organização. E nada mais atual do que adequar a cultura organizacional com as exigências de demandas do atual contexto de pandemia, não?
Novas formas de organização do trabalho
Ao longo dessas duas décadas, o professor percebeu, na agenda do RH, que alguns temas foram ganhando destaque. Na primeira década dos anos 2000, por exemplo, foi o posicionamento da área na estrutura organizacional, buscando o reconhecimento formal de seu papel estratégico. “A partir desse período, a área de recursos humanos foi se posicionando como parceira do negócio; inicialmente, desenvolvendo estratégias de atração e retenção de pessoas; posteriormente, trabalhando processos de desligamento sem comprometer o engajamento das pessoas e, na sequência, ajudando as organizações em sua reconstrução”, disse.
Mesmo sem imaginar que passaríamos por uma crise de pandemia, Dutra citou alguns temas que passariam a ter mais importância na agenda do RH, dali para a frente. Entre eles, estão, na ordem, os desafios ligados às novas formas de organização do trabalho e os novos vínculos entre pessoas e organização. “Ao mesmo tempo, as pessoas vão valorizar cada vez mais o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. Caberá aos profissionais de RH buscar uma maior flexibilidade na relação entre as organizações e as pessoas”, afirmou, sem esquecer de mencionar a crescente tomada de decisões a partir da análise da base de dados (people analytics).
Observamos, atualmente, um reposicionamento de muitos ceo sobre a importância do Rh.
RH e CEO falando a mesma língua
A conversa que tive com Joel Dutra foi realizada logo após uma leitura que fiz de algumas matérias antigas e publicadas na revista MELHOR, desde 1999. Em algumas, era possível perceber que, além da questão de a área de RH ser estratégica, havia em alguns casos um certo distanciamento dela em relação ao CEO da organização. A impressão que ficava era a de que o RH sempre pareceu ser um centro de custos, sem saber falar o idioma dos negócios, e os CEOs acabavam não chamando o profissional de recursos humanos para o board. Na verdade, lembro até de uma frase de César Souza, presidente do Grupo Empreenda, que tratava da necessidade de fazer o RH também falar a linguagem de negócios e fazer o CEO também falar o idioma do RH…
E parece que esse aprendizado, por parte dos CEOs, deu certo. Dutra mencionou, por exemplo, que muitos CEO perceberam a importância dos profissionais de RH na adequação da cultura organizacional a um ambiente mais competitivo e para fazer frente aos diferentes tipos de pressão recebidos pela organização. “Observamos, atualmente, um reposicionamento de muitos CEO sobre a importância do RH”, disse. E espero que esse reposicionamento ganhe mais força!
Fonte: Melhor Gestão de Pessoas.