Postado em 07 de Julho de 2022 às 11h06

Como líderes exaustos podem gerir equipes exaustas

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P&P Consultoria - Desenvolvimento Humano e Organizacional Existe um saldo emocional da pandemia que não se esgotou”, diz a neurocientista Thais Gameiro, especialista em neurociência organizacional. Grande parte das pessoas...

Existe um saldo emocional da pandemia que não se esgotou”, diz a neurocientista Thais Gameiro, especialista em neurociência organizacional. Grande parte das pessoas continua com aquela sensação de exaustão mental experimentada no primeiro ano de adaptação às mudanças decorrentes do enfrentamento da covid-19.

Ainda que estejamos voltando à normalidade, há um impacto psicológico de tudo o que foi vivido com o qual iremos lidar por algum tempo, já que as mudanças comportamentais demoram um pouco mais para acontecer.

Em períodos de crise, passamos por diferentes fases. Inicialmente, a reação é um aumento de energia para lidar com a emergência. Num segundo momento, as pessoas se sentem mais desanimadas, cansadas, frustradas e vulneráveis aos problemas físicos e psíquicos. Posteriormente, a tendência é a recuperação. “Acredito que, agora, estamos entre esses dois últimos momentos”, afirma a psicóloga Marcia Barone, da Falla Saúde Mental.

Liderança sem máscara
No mundo corporativo, esse cenário de cansaço e recuperação se soma a mais mudanças e readaptações, com a volta ao trabalho presencial ou híbrido. “Esse pode ser mais um fator de estresse para muita gente. É como se tivéssemos de lidar com mais do que temos condição neste momento”, diz Thais.

Nesse contexto, faz sentido que a síndrome de burnout, caracterizada pelo esgotamento físico e mental associado ao trabalho, tenha sido incluída no rol de doenças ocupacionais pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no começo de 2022.

Para os profissionais em cargos de liderança, toda essa sobrecarga foi (e continua sendo) ainda maior. “O tipo de responsabilidade e de pressão que a liderança vem sofrendo nos últimos dois anos exigiu (e continua exigindo) habilidades que talvez nem fossem pensadas antes de 2020”, diz Marcia. Como resultado, 87,5% dos líderes brasileiros disseram ter sofrido algum impacto na saúde mental durante a pandemia, segundo pesquisa realizada pela empresa de recrutamento Robert Half.

Além de lidar com seu próprio estresse, esses profissionais precisaram gerenciar esse estado vivenciado por seus liderados. E muitos acabaram priorizando a equipe em vez do autocuidado. Um erro. Os especialistas consultados pela reportagem de VOCÊ RH foram unânimes em fazer a analogia com a máscara de oxigênio do avião: antes da decolagem, a orientação dada é que, em caso de emergência, as pessoas a coloquem primeiro em si, e só depois cuidem dos outros.

Muitos líderes não seguiram essa recomendação, seja pela dificuldade em reconhecer, seja pela resistência em admitir os sinais da exaustão mental, estágio anterior ao burnout, quando o corpo e a mente entram em colapso. “Nessa fase, podemos observar muitas alterações de comportamento, como irritação e falta de motivação e de interesse no trabalho”, diz Tatiana Pimenta, CEO da Vittude, plataforma de terapia online.

Não é o que parece
Os sinais indicativos do quadro de exaustão mental são muito semelhantes em homens e mulheres. É comum que ambos relatem dificuldade para dormir, dores de cabeça, problemas gastrointestinais, falta de ar, diminuição de foco e concentração, irritabilidade, apatia, entre outros.

No entanto, as alterações comportamentais são mais comuns entre os homens, segundo Joana Story, professora do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV EAESP). Ela cita uma metanálise (método estatístico que agrega os resultados de dois ou mais estudos independentes) que apontou que as mulheres, em geral, demonstram mais claramente, com sinais físicos, quando estão exaustas emocionalmente.

Já nos homens são mais comuns sintomas relativos à perda de interesse, como apatia e cinismo nas relações de trabalho. “Essas diferenças refletem muito os papéis de gênero da nossa sociedade. Para as mulheres, é mais aceitável externar exaustão e emoção, interpretadas como fraquezas”, afirma. É por esse motivo, segundo Joana, que muitas pesquisas apontam que as mulheres sofrem mais burnout do que os homens. “Mas, na verdade, elas apenas demonstram mais”, conclui. O fato é que a exaustão dos líderes é real e terá um reflexo em toda a equipe, mais cedo ou mais tarde.

Voltando à analogia da máscara do avião, é consenso entre os especialistas que é praticamente impossível liderar estando exausto. Ou pelo menos liderar de forma eficiente. “E aqui não está em pauta somente o risco associado à queda de produtividade, mas também ao adoecimento coletivo e ao aumento das taxas de afastamento e de presenteísmo”, diz Marcia.

E essa conta acaba chegando para todos. Estimativa da International Stress Management Association (ISMA) aponta que o custo do burnout pode chegar a 80 bilhões de dólares por ano no Brasil. Outro estudo, realizado pela ISMA-BR, indica que o estresse foi responsável por um aumento de 140% nos gastos trabalhistas das empresas brasileiras nas últimas décadas.

Resiliência x sobrecarga
Evitar ou remediar esse problema deve ser um trabalho em conjunto entre empresas e profissionais, segundo os especialistas. Em primeiro lugar, é preciso ressignificar o sentido de “resiliência”, destaca Marcia. É comum considerar que “ser resiliente” seja suportar cargas horárias extremas de trabalho e enxergar o acúmulo de funções como um indício de força e de comprometimento maior com a organização.

A cultura interna de muitas empresas ainda reforça esse posicionamento, o que não corresponde ao conceito da palavra. “Resiliência é uma habilidade emocional que pode nos ajudar a passar por situações críticas, que nos permite encontrar e desenvolver estratégias para lidar com esses momentos. E, muitas vezes, a estratégia pode ser reavaliar e até mesmo dar um passo atrás, em prol da saúde”, explica a psicóloga.

Para que isso seja possível, empresas e profissionais devem estar em sintonia em relação à importância do equilíbrio entre vida profissional e pessoal, do descanso, do sono de qualidade, do entendimento sobre como o estresse age no corpo e quais são as formas de gerenciar uma crise de ansiedade. Para Tatiana, CEO da Vittude, as corporações precisam propiciar educação emocional a seus funcionários. “É necessário ensinar as pessoas a lidar com as próprias emoções, deixando claro que elas devem sinalizar para o chefe, os colegas ou o RH quando estiverem chegando ao limite e informando de que forma fazer isso”, diz.

Mas essas medidas precisam vir acompanhadas de uma cultura corporativa coerente. Segundo Joana, da FGV, as intervenções individuais (técnicas de gerenciamento do estresse, prática de ioga e meditação, terapia etc.) têm efeitos estatisticamente irrelevantes na redução do estresse profissional e do burnout. “O que as pesquisas demonstram é que o mais importante para reduzir a exaustão emocional e o burnout é a mudança nas práticas organizacionais que estão causando esses problemas”, afirma. “Como alguém vai descansar sabendo que, se tirar um dia de folga, no dia seguinte vai ter de trabalhar 15 horas para resolver tudo?”

Entre as práticas organizacionais consideradas tóxicas, ela destaca o excesso de demandas sem a contrapartida dos recursos para que os profissionais possam lidar com elas. “O problema não é o excesso de trabalho, mas a falta de gente suficiente na equipe, de autonomia para tomar decisões, processos organizacionais lentos e numerosos, tudo o que dificulta sua execução”, diz Joana. “Esse balanço precisa ser levado em conta. Exigir que as pessoas façam cada vez mais com cada vez menos vai levar à exaustão emocional e ao burnout em algum momento.”

Fonte: VocêRH – por Fernanda Colavitti.

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