Saúde mental é um problema antigo mas, mesmo assim, continua carregado de estigmas. A discriminação, a desinformação e até mesmo um “autopreconceito” impedem que as pessoas busquem e obtenham a ajuda que precisam para a recuperação. Quantos de nós já escutamos que terapia é coisa de pessoas loucas?
No Brasil, que tem um dos piores índices de depressão da América Latina¹, o tema da saúde mental tornou-se mais prioritário, sobretudo após a pandemia do Covid-19, que colocou ainda mais em evidência as necessidades de saúde mental. A inevitabilidade do isolamento social e o medo de ser infectado colocou emoções à prova. Um estudo da USP com informações coletadas pelo Elsa-Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto, iniciado em 2008) revelou que transtornos depressivos e ansiosos somados chegam a uma prevalência de até 30% na população quando avaliado o antes e após a pandemia².
Implementar uma pesquisa de clima e cultura organizacional
Uma forma de iniciar um diagnóstico para identificar riscos de saúde mental dos servidores é realizar uma pesquisa de clima e cultura organizacional. Essa pesquisa pode ser ampla e, assim, endereçar diversos indicadores que reúnam o nível de bem-estar dos servidores. A autopercepção da saúde pode ser usada como método confiável e válido para avaliar a saúde geral, e a autoavaliação da saúde emocional ruim pode ser uma importante preditora para o início da depressão.
Uma pesquisa de clima que aposte em um arcabouço completo de bem-estar no ambiente de trabalho pode auxiliar os tomadores de decisão a entender outros aspectos, como por exemplo engajamento dos servidores: condições do ambiente de trabalho podem afetar mais o engajamento do servidor do que incentivos financeiros¹². Além disso, ampliar a escuta dos servidores no processo de identificação de problemas no local de trabalho, seguida por efetiva implementação das ações sugeridas, têm maior probabilidade de resultar em mudanças significativas.
Confira uma sugestão de questionário para o bem-estar de trabalhadores publicada pelo Instituto Nacional de Saúde e Segurança Ocupacional do Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos neste link.
Fortalecer ouvidorias internas
As ouvidorias têm um papel fundamental como canal de acolhimento e denúncia em casos em que há uma cultura tóxica instalada na instituição. Para termos canais institucionais estabelecidos e fortalecidos, é fundamental um protocolo de encaminhamento a profissionais especializados.
Além disso, qualquer compartilhamento de informações e coleta de dados deve assegurar o sigilo e anonimato dos usuários, com acesso restrito apenas às autoridades competentes para lidar com tais informações. Sabe-se que há receio de retaliação ou perseguição no cenário do setor público. Por isso, essa abordagem contribui não apenas para a identificação e correção de práticas prejudiciais, mas também para a construção de uma cultura organizacional mais saudável e transparente.
Analisar padrões nos afastamentos por absenteísmo-doença
Compreender os padrões e a recorrência das licenças auxilia no mapeamento de riscos e também na elaboração de estratégias de promoção da saúde mental. Um estudo de revisão integrativa da literatura a respeito do absenteísmo-doença no serviço público brasileiro apontou que, a partir dos 40 anos, há um aumento de servidores licenciados por absenteísmo-doença. O estudo ainda observou maior prevalência do absenteísmo-doença em servidores com mais de 11 anos de serviço. Servidores públicos no topo da carreira podem experimentar sentimento de frustração relacionado à repetição de padrões estabelecidos há vários anos e à dificuldade em lidar com técnicas e ferramentas novas, principalmente ligadas à informática¹³.
Focar em medir e avaliar os padrões de absenteísmo por si só não é suficiente para encorajar um ambiente de trabalho saudável. Os departamentos de gestão de pessoas precisam ser fortalecidos e desenvolver uma sólida análise de entendimento das causas do absenteísmo.
Mapear e ajustar os processos de afastamento também pode auxiliar a reconhecer padrões e atuar em medidas preventivas. Durante uma campanha de saúde mental, a Rede de Associações de Carreiras do Estado de São Paulo (RACESP) sugeriu mudar o protocolo nos casos de afastamentos médicos ligados à saúde mental (depressão, burnout etc.) para que os servidores sejam reavaliados antes de retornarem ao trabalho.
Implementar medidas efetivas de prevenção
A partir de um diagnóstico robusto, é necessário desenhar medidas que endereçam as devidas causas raízes que, como vimos, podem ser diversas. O documento ‘Detecção de riscos à saúde mental no trabalho’, publicado pela Escola Nacional de Administração Pública, a ENAP, indica que, ainda que os dados sejam coletados ou registrados, raramente eles passam por análise e consolidação. Ou seja: não são transformados, muitas vezes, em conhecimento para tomada de decisão.
Aspectos financeiros, físicos e emocionais da saúde estão interrelacionados como fatores que podem afetar a saúde mental dos servidores. Isso indica que a abordagem de saúde mental das organizações precisa ter um olhar holístico. Para auxiliar o desenho dessas medidas, o arcabouço “Princípios para promover saúde mental e bem-estar no ambiente de trabalho” (Figura 2), publicado pelo Departamento Nacional de Saúde dos Estados Unidos, pode ser visto como um ponto de partida.
Promover visibilidade do tema de saúde mental
Por fim, estabelecer comunicação simples e acessível para todos auxilia na redução do estigma e do preconceito em torno no tema de saúde mental. Ciclo de palestras, capacitações, rodas de conversa e guias são alternativas acessíveis que podem ser lideradas por departamentos de gestão de pessoas.
Garantir o bem-estar no local de trabalho requer um esforço intencional e contínuo por parte dos líderes em todos os níveis. Esperamos, assim, que órgãos públicos avancem na institucionalização de políticas, processos e práticas para melhor apoiar a saúde mental e o bem-estar dos servidores.
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